A história hippie movimento contracultura


 O mundo hippie seus desdobramentos culturais e políticos
oi bicho
O movimento hippie exerce ainda hoje um fascínio geral;
O que se passou exatamente?
E o que ficou na memória contemporânea?
Por que permanece como uma aura, um souvenir desse encantamento?
Seu legado hoje



Introdução
O movimento hippie exerce ainda hoje um fascínio geral; o que se passou exatamente e o que ficou na memória contemporânea? Por que permanece como uma aura, um souvenir desse encantamento; O que nos faz sentir essa atração e essa nostalgia, mesmo por aqueles que não conheceram essa época na qual existiu uma espécie de magia coletiva, um paraíso ao alcance da mão…





A perspectiva antropológica do imaginário (Gilbert Durand) pode permitir a compreensão ou nos aproximar um pouco mais da perspectiva global dos hippies. Trata-se de um ethos (  conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento instituições, afazeres etc. e da cultura valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região. ) ou um credo comum que foram construídos como uma herança condensada de todas as grandes utopias ocidentais e orientais. Um imaginário equilibrado, ao mesmo tempo heroico e místico, propriamente sintético nos termos de G.Durand.
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A
ótica do imaginário nos permite ilustrar como um imaginário surgiu e depois foi disseminado, desdobrando-se, às vezes se invertendo, ou derivando até os dias de hoje no cotidiano, sob formas desbotadas, por vezes desdobradas, ou mesmo travestidas. O desdobramento ou a disseminação dos esquemas presentes no mundo hippie supõe que as ideias principais, ou imagens matrizes, estão ainda presentes atualmente. No entanto, falta a articulação desses elementos que estão dispersos, disseminados, difratados em diferentes campos, culturais e sociais. Iremos também sublinhar como esses esquemas informam ainda sobre o social no século XXI. O campo de observação é a Europa, a França em particular.

Um movimento cultural fulgurante:
Ao analisar de perto, ao ler as histórias de vida dos atores e de suas aventuras comunitárias, o movimento reivindica raízes longínquas e diversas: o cristianismo primitivo, o fourierismo, o orientalismo…
comunidade hippie tribalista
Outras fontes e referências mais próximas vão servir de catalisador do século XX, nos anos 60: as drogas do século XX dão um salto adiante, a revolução sexual de Reich explode realmente, o imaginário da Beat generation vem martelar seu ritmo endiabrado. A utopia psicodélica nasce como uma flor sobre o pedestal da sociedade prometeica 3 dos anos 60. O filme “A primeira noite de um homem”, The Graduate com Dustin Hoffmann, e seu fundo musical de Mrs. Robinsonde Crosby, Still, Nash e Neil Young, ilustram bem o salto epistemológico que se produziu no seio da família americana.
Desde seu nascimento, o imaginário psicodélico é uma utopia em atos, uma filosofia que nasce no movimento de
contestaçãopolítica, na efervescência musical, e na liberação florida dos corpos, um flower power como ele próprio se auto-proclama. As comunidades logo terão os porta-vozes, os ídolos e os ícones, e mesmo um papa, Timothy Leary, que instituirá sua doutrina e suas palavras de ordem. A filosofia de movimento é contida na fórmula: Turn in, tune in, drop up .
Todas as outras experiências sensíveis do mesmo tipo, viagens chamânicas, transe de criação, transes poéticos como os de Paul Valéry em “O cemitério marinho”, ou transes de êxtase dos estados de Nirvana e Buda, parecem induzir a uma diversidade de estados de consciência. O acesso é permitido pelas práticas ancestrais de ascendência, de concentração, de meditação, como na yoga pela redução ou suspensão da respiração, ou ainda graças à escuta de músicas privilegiadas tradicionais, aqui reinventadas pelas sonoridades da música psicodélica.
Um Ethos
Outro marco daí em diante célebre, Make love, no war, Faça amor, não faça guerra, permite resumir os princípios éticos para o grande público que compreendem mal essa nova forma de contestação. As diferentes regras que daí resultam se instituirão pouco a pouco, a ponto de ficarem como rituais.

No war, (Não faça guerra), representa o pólo ou o aspecto da reivindicação política (parar a guerra do Vietnã)
paz e amor

 Make love (Faça amor), o outro polo da contraproposição, contida e sintetizada na palavra amor, vasto campo que a filosofia hippie vai desdobrar à sua maneira. De fato, esse conceito holístico da sua filosofia apresenta-se como um modelo completo de utopia, já que ele está bem fundado sobre uma simples, só e banal ideia, o amor. Uma visão holística, adquirida pela impregnação de uma mesma experiência sensível, multiplicada pelo uso dos psicotrópicos e que está sem dúvida ligada aos seus contatos com as fontes tradicionais que compartilham essa percepção: os mesmos esquemas definem suas concepções religiosas (êxtase cósmico e social), político (paz entre todos os povos, e a doçura da palavra para a resolução de conflitos), econômico (divisão, desprovimento), estético (beleza do natural), e ligação social (espírito coletivo e comunitário, ou neotribalismo)7 .
O credo dos novos membros comunitários contém desordenadamente: a liberdade sexual, o erotismo, as relações interpessoais, o esoterismo e a ecologia, … entre outros, mas trata-se antes de tudo de um ethos rigoroso, um princípio de partida coerente (liberação pelo amor) declinado sobre diferentes planos, depois sobre todos os planos, muito logicamente.
Logo, as idéias hippies se organizam, as ligações se entrelaçam entre as diferentes fontes que inspiram esses novos modos de vida coletiva e os hippies tentam se aproximar de outras minorias. A imprensa descreve então, não mais somente um movimento, mas uma cultura, ou uma subcultura, derivada das culturas mais tradicionais, e que procura alianças com outras minorias críticas e reivindicativas, na busca de um status social menos estigmatizado. Assim se multiplicam as subculturas, subtendências dos subpoderes potenciais (Black Power, Red Power, Ethnic Power) ou metafóricos (Flower Power, Green Power)9 .



O Enterro
Em 14 de janeiro de 1967, em uma grande reunião no Golden Gate Park, os hippies proclamam que o verão de 1967 seria o lugar sob o signo da paz, do amor e do LSD. Para esse célebre Summer of love (Verão do amor), mais de 500.000 jovens chegaram a São Francisco. Após o uso das drogas, que de certa forma, degeneraram os hippies, o bairro transformou-se em um lugar violento, desertando-o assim do resto da cidade. As drogas alucinógenas foram substituídas pouco a pouco pelos barbitúricos, depois os opiáceos, e logo a decadência e as doenças invadiram a superpopulação do bairro.
john lennon pensador alternativo
No outono os membros da comunidade de Haight sentindo-se, sem dúvidas, ultrapassados pelo movimento da população que eles provocaram, reuniram-se no Buena Vista Park para celebrar o fim da era hippie com uma cerimônia fúnebre. Em outubro de 1967, os hippies organizam o enterro simbólico de seu próprio movimento, enterrando um caixão no Buena Vista Park. Mas, desde o início dos anos 70, a sensibilidade idealista e ecológica iniciada pelos hábitos hippies parece surgir e surfar pelas ondas, revivendo como um eco distante nas gerações seguintes de jovens desesperados.

Derivações e desdobramentos, a disseminação dos esquemas
O choque com a realidade ficou difícil, após a saída do berço californiano, para um movimento hippie que se refugia nas montanhas e nos campos
10. O poder de contágio do sonho psicodélico nascido em São Francisco era grande porque esse contágio ganhou o resto dos Estados Unidos e, depois, a Europa Ocidental.
Mas ao deixar o berço californiano, o sonho perdeu sua força e sua coerência e, com o tempo, ele acabou por se dispersar. As circunstâncias econômicas também colaboraram – as crises da sociedade da abundância acabaram com aquilo que haviam gerado. Sem dúvidas os valores centrais ou motrizes, os “esquemas”, que o constituem, perduram e estão instalados sustentavelmente na paisagem social ocidental, porém dispersos em pequenos pedaços e esvaziados de sua transcendência, de seu sentido inicial, canalizados e racionalizados pela pós-modernidade.
A disseminação geográfica
O imaginário psicodélico e as práticas culturais e sociais que as suscitaram são amplamente ecoadas pelos Estados Unidos da América. Mas, ao encontrar em sua expansão contextos bem diferentes, adquiriu rapidamente direções bem contrastantes. Indo às fontes de percepção, sua penetração entre os jovens das sociedades ocidentais está longe de ter se tornado igual em todos os lugares e constata-se que as suas declinações são inúmeras.
hippies punk,contracultura rock and rol tesãoÉ da Inglaterra que vem esta revolução musical que atua sobre o plano artístico, mas também sobre o plano social. Daí, a emersão dos Beatles, depois dos Rolling Stones sobre o cenário musical britânico, o estilo de vida e de cultura.
Nos dois maiores países do continente, a França e a República Federal Alemã (então Alemanha Ocidental) a penetração do imaginário psicodélico é ao mesmo tempo colorido politicamente e também complexo. As culturas da França como da Alemanha não são estrangeiras às utopias familiares da contestação política violenta, e que se manifestam na liberação dos costumes com algum atraso em relação a seus vizinhos ingleses, holandeses e escandinavos.
É pelo viés de uma reivindicação política e social mais clássica que o movimento de contestação se imporá pelos eventos de maio de 68 na França e as manifestações dos estudantes berlinenses na Alemanha, constituindo incontestavelmente o ponto de entrada europeu nos movimentos de reivindicação dos anos 60. É, por conseguinte, sob uma forma já muito politizada que ele continuará a se desdobrar. A busca revolucionária substitui a busca mística, as manifestações políticas tradicionais substituem os love-ins, smoke-ins e be-ins, a fraternidade militante, a sonoridade do Peace and Love (Paz e Amor).

A disseminação ideológica e política
O movimento beatnik (hippie) disseminou-se principalmente em duas galáxias opostas; de uma parte os hippies e suas celebrações amorosas, e da outra parte uma nova esquerda americana que milita contra a guerra do Vietnã e a favor do Movimento pelos Direitos Cívicos para uma integração das minorias negras. Um forte exemplo é o Free Speach movement, nascido na Universidade de Berkeley, que milita contra o ensino exageradamente rígido, mas também contra o racismo, o pragmatismo, e a guerra do Vietnã. Como os hippies, esses militantes são contra os princípios fundadores da sociedade da abundância, sobretudo quando eles conduzem a um esbanjamento de barbáries e de alienação.




utopia dos anos 60 revolução sexual e drogas alucilógenas
A herança das espiritualidades contemporâneas 
Do sincretismo hippie ao New Age, as religiões e espiritualidades antigas e novas explodem a partir dos anos 70. A ideia de transcendência, com sua abordagem pelos rituais tradicionais e sua experimentação sensível, não abandonaram o novo milênio, pelo contrário. Mas a ideia de sagrado parece se refugiar longe do domínio das toxicomanias e de seus cortejos de problemas corporais, sanitários, econômicos e jurídicos para se desenvolver em direção a um longo e lento movimento de redescoberta das espiritualidades sob todas as suas formas.
Na aurora do ano 2000, as autoridades observam o desenvolvimento das seitas e os pesquisadores, a explosão de uma “nebulosidade esotérica e mística”, assim como a retomada de antigas religiões, budismo, islamismo e catolicismo no ocidente, ou das práticas tais quais a astrologia, a adivinhação, a quiromancia…
Das portas da percepção à toxicomania 
Com os anos 60, os países europeus enfrentaram uma nova forma de toxicomania, a toxicomania de massa ou do povo. Mas ao passo que os usuários das sextees estão centrados sobre os produtos da família dos phantastica, e fundados pela filosofia hippie, até os anos 70, esse consumo de massa ocidental se infiltra nos produtos da família dos hipnóticos, heroína principalmente, mas também álcool e barbitúricos. Palavra chave dessa nova nebulosidade underground: os hipnóticos são mais estupefacientes, mais viciantes, como a heroína. Tudo parece se opor a essas duas formas de uso da droga: as famílias dos produtos utilizados, os imaginários revelando as práticas e filosofias de vida opostas, inversas.


As lógicas das décadas seguintes são uma lógica de compilação dos produtos. A manutenção dos hipnóticos, retorno com força das phantastica, adaptação oportunista dos Extancia, em progressão. Os Golden Eightees, ou os brilhantes anos 80, são reflexos da economia que floresce, associando socialismo e economia de mercado, e as drogas de adaptação.
Efeitos sobre a música, as socialidades contemporâneas
O movimento techno, que começa nos anos 80 e explode nos anos 90, lembra e parece comemorar, sem cessar, as grandes aglomerações festivas e funcionais como o concerto de Woodstock ou aquele da ilha de Wight pelas grandes festas, les technivals. Essas festas gigantescas, as raves, agrupam milhares de pessoas em lugares insólitos das grandes metrópoles (depósitos abandonados, canteiros, prédios inabitáveis), depois vão imigrar para os lugares mais bucólicos onde elas serão mais livres, as free parties. As festas techno também irão se institucionalizar e penetrar em lugares mais reconhecidos como as boates e os estádios e se transformam em technivals, que duram muitos dias. 

contracultura contemporânea movimento cultural alternativo

Os frequentadores de raves são também consumidores da pequena pílula de ecstasy, que se toma a dois, ou em grupo, para se entregar a esse tipo de festa. Como o LSD alucinógeno dos hippies, é uma droga hedonista que multiplica as sensações, e como as anfetaminas, permite a liberação das forças físicas, para ficar toda a noite sem dormir, dançando. Como o LSD, o ecstasy poderia ser uma droga do amor, pois, ela é um multiplicador dos efeitos sexuais e eróticos. No entanto, os participantes de raves não a utilizam nesse sentido. A droga parece mais favorecer uma espécie de fusão com o coletivo, pares ou o público dessas festas. Dançar todos juntos como um só corpo coletivo, esse envolvimento é o nirvana do frequentador da rave.
O movimento reggae, e o rastafári, como os hippies, consomem cannabis e usam os cabelos longos (de preferência não penteados), as famosas tranças ou dread locks, lembrando assim suas raízes africanas, Mãe África, ou aquelas dos sadhous indianos, Mãe Índia, e poderiam ser considerados como seus herdeiros diretos. Tanto o movimento reggae como o movimento hippie desenvolvem uma abordagem holística de sua reivindicação cultural. Ao mesmo tempo movimento musical e movimento religioso, o rastafarianismo, tem um forte conteúdo mitológico, é também um movimento político de contestação e de reivindicação de uma cultura própria. Eles adotam um modo de vida fundamentada sobre a paz e a tolerância, a dignidade pessoal e a redescoberta das harmonias naturais e cósmicas esquecidas pelo mundo moderno. There is a natural mystic flowing to the air/ Há qualquer coisa de naturalmente místico no ar, canta Bob Marley que divulga o movimento e suas dimensões místicas, através do reggae jamaicano, suas cores, vermelho /ouro / verde, seus valores, o sonho bíblico de Zion, (Iron, Lion, Zion), e o Deus Jah de um povo negro vindo da Etiópia, os ancestrais longínquos dos rastas.
O movimento hip hop, lembra também a utopia hippie, porém de maneira mais remota ainda, já que a música rap e o mundo dos rappers poderiam desenvolver uma crítica radical de modernidade e uma vontade de viver aqui e agora, senão na harmonia, mas ao menos na dignidade e na honra de uma cultura reinventada. Ponto comum, contudo, o cannabis, é um meio de se desprender e de romper com a vida mediana proposta pelas sociedades ocidentais e, no caso francês, com o deserto da vida, dos conjuntos residenciais, para fundar uma cultura própria. Um mesmo velho sonho coletivo de um paraíso perdido, a Zoulou nation11 , os sound systems, os crews, os possies, designam os bandos, clãs ou famílias aumentadas, que vão, logo, se transformar no ponto focal do estilo de vida de rua no sul do Bronx12 , e também nas periferias de todas as grandes capitais ocidentais, dos jovens encapuzados e dos tênis Nike.
Efeitos sobre a socialidade, “o espírito em grupo”
Viver em comunidade é então um ato político para os hippies, é sempre um ato de revolta ou de reivindicação de uma vida alternativa, é um ajuntamento de indivíduos decididos a viver em comum uma vida diferente daquela que lhes foi proposta pela sociedade da qual eles saíram
13 . Essas são as motivações de todos os jovens que vão deixar suas famílias, escolas, empregos, para fundar uma comunidade. Os grupos se reencontram, simpatizam-se, fundem-se e decidem viver juntos, criando seus novos princípios e costumes de vida.
cultura livre de preconceitos uma sociedade alternativa
Adotando e reivindicando um modo de vida comunitário, esses coletivos vão reencontrar antigas fontes desses modos de organização, e mesmo desenvolver alianças com a imprensa, o mundo intelectual e político, para defender e argumentar suas posições. Desses exemplos, alguns testemunhos reais e romanescos de aventuras em comunidades, de suas regras de vida inventada e de sua trágica história coletiva, estão hoje descritas em nossa literatura14 .
É então possível constatar a existência e a diversidade de ritos: festas, assembleias gerais, reuniões em torno da mesa comum,…15 , rituais recompostos pela necessidade da vida em comum, e bordados sobre os modelos de organização de coletivos já existentes.
As consequências sobre as representações da sociedade permitem abrir e assistir a retomada dos coletivos em todos os domínios: renascimento da vida associativa, da solidariedade grupal, talvez tribal; na pedagogia, as escolas paralelas, “as crianças livres do Summer Hill”, escolas Montessori, escolas occitânicas; na psiquiatria, as comunidades terapêuticas da antipsiquiatria (Deleuse, Cooper e Laing); na arte, os ateliês de criação coletiva, as experiências da arte-terapia de Jean-Pierre Klein; na economia, as cooperativas de consumidores, as compras em grupo; no casal, o desejo para uma vida mais comunitária (famílias plurais repensadas em torno das crianças).
Efeitos sobre a sexualidade: herança complexa da revolução sexual
O mesmo acontece para todos levantes sociais, éticos e estéticos esboçados pelo movimento psicodélico. A liberdade sexual aparece como uma das aquisições majoritárias desse período, e a libertação se estende a outras formas de sexualidade mais específicas. São Francisco se transforma nos anos 70 na cidade dos gays. Mas nas últimas décadas não reteve o lado profano do “amor universal” coroados pelos hippies. A idéia que a energia sexual bem canalizada, como o quer o modelo tântrico, permite se direcionar à “unidade cósmica”, ou somente uma maior circulação do desejo conduzido a uma nova sociedade esquecida. O desejo sexual não visa mais apenas à satisfação, ajusta-se mais ou menos ao sucesso das estruturas sociais que impediram a sua expressão.
Esse retrocesso e essa racionalização do imaginário permitem compreender esse “retorno do reprimido” contemporâneo, a coexistência dos arcaísmos culturais e moralismos sociais, com as expressões mais liberadas da sexualidade, e todas as suas recuperações plurais na esfera do mercado, que são particularmente manifestos na complexidade contemporânea. Paradoxalmente após essa liberação dos corpos e dos costumes, os efeitos parecem invertidos e provocam um retorno de diferentes regras morais e do declínio, ou um confinamento sobre si mesmo, dos indivíduos e dos modelos. Para os homens, poderíamos qualificar de “cúspide” do masculino, esse movimento de recuo do modelo “machista” e paternalista do patriarcado. De fato, nos últimos trinta anos voltamos periodicamente à afirmação de que “não há mais homens”. A identidade masculina apresenta, além disso, uma diferença em relação à ideia da virilidade, ou em relação a um comportamento médio dos homens, durante a época imediatamente anterior.
revolução sexual e a invenção da pilula
Para as mulheres, que possuem agora importante capital cultural e social, apresentam-se todas as razões de estarem amedrontadas por essa terrível concorrência que se instaura, sobre o mercado matrimonial e amoroso, entre elas mesmas e para seus equivalentes masculinos. Mais que o entusiasmo, é a desconfiança que se instala do lado feminino como do masculino. Essa inadequação das representações femininas e masculinas, e do casal no estado real da sociedade, gera inúmeras desconfianças particulares, um paradoxo generalizado, já que essa desconfiança resulta também no plano geral de uma inadequação devido à demografia social, assim como a repartição desigual do capital social e cultural. Contrariamente às gerações dos anos 60-80 e pós-60-80, aWoodstock Generation, que conquistaram a abertura dos direitos jurídicos, as novas gerações encaram barreiras invisíveis do tipo cultural.
Efeitos sobre a nova sensibilidade ecológica
As preocupações ecológicas dos hippies invadem hoje o universo de nossos pensamentos e programas políticos. A ecologia se transformou em um dos importantes termos irreversíveis da dialética de dominação da natureza: nossa vontade de dominar a natureza se inverteu em preocupação pela sua proteção.
Com a mesma ideia de uma “Idade de ouro” na qual os homens e os deuses comunicavam-se livremente, e na qual os alimentos estavam imediatamente disponíveis, falava-se de uma idade vegetariana. A idade de ouro vegetariana que se lê no simbólico do mel, na nostalgia desse tempo sagrado que se ocupa dos mitos relativos à deusa Deméter e nos rituais de cozinha, “Em todos os mitos da Idade de ouro perdida, o vegetarianismo comporta uma conotação de pureza e bondade”16 . Isso é particularmente evidente na Índia ou no Extremo Oriente, no bramanismo ou no budismo onde a carne é considerada como um impedimento à ascensão espiritual; mesmo no mundo ocidental, nos dogmas da igreja cristã com a quaresma, período de purificação, retorno a inocência onde a interdição de alimento “carne” corresponde também à interdição às relações sexuais; da mesma maneira em inúmeras especulações filosóficas, celebra-se o estado de natureza, uma alimentação amplamente vegetariana, como nas obras de Rousseau, por exemplo.
Efeitos econômicos
Da viagem de iniciação às viagens banalizadas, a moda contemporânea dos deslocamentos nasce a partir das viagens iniciadas pelo movimento hippie. Viagem de carona, ou viagens em grandes companhias a custos reduzidos. Os enumerados destinos são reinventados pela viagem hippie: de Katmandou e Marraquexe, aos ciganos rurais, as grandes estradas, as ecos-comunidades na vida nas árvores, ou simplesmente passar suas férias no campo. Sem fronteiras para os hippies, como o nome da companhia que fará fortuna
17 … Sem diferenças de raças contra o predomínio ocidental, essa é a bandeira do hippie nas viagens em que ele gosta de
 viver como os nativos.
cultura hippie comunidade alternativa no brasil
Do libertarismo ao liberalismo. O trabalho intermitente dos hippies parece ter se transformado no modelo de trabalho atual (flexibilidade, tempo parcial). As co-locações, novas maneiras de morar comunitário, lembram também um eco longínquo do modo de vida dos hippies. O pensamente em rede, o desejo de comunicar e a invenção da informática. Timothy Leary explica que essa revolução da informática não teria tido lugar se a experiência com o LSD não tivesse ajudado a descobrir seus principais atores, a interconexão de todos os elementos do cosmos, assim como uma autêntica comunicação com o outro18 . Os itinerários do Bill Gates ou de Steve Jobs, de certa maneira membros da revolução psicodélica, poderiam ter algum crédito nessa ideia19 .
*  Autora Martine Xiberras é doutora em Antropologia Social e Cultural e encontra-se atualmente ligada à Universidade Paul-Valéry-Montpellier-III. Preocupada com os flagelos sociais contemporâneos, é um dos autores atuais mais importantes neste domínio.
**  Tradução Ricardo Ferreira Freitas é professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). É doutor em Sociologia pela Sorbonne, mestre em Comunicação pela UFRJ e graduado em Relações públicas pela Uerj.
NOTAS
1 Com colaboração da revisora técnica Tais Alexandre Baptista.
2Fourierismo : seguidores do pensador Fourier.
3 Prometeica : oriundo de Prometeu.
4 Assistir ao filme “Théorême , Teorema” de Pasolini “salto epistemológico” da família italiana.
5 Turn in: ligar,conectar ; Tune in: expandir sua consciência; Drop up: deixar pra lá.
6 G. Lapassade, La Transe; G. Rouget, La Musique et la transe, Paris, Gallimard, 1990.
7 O filme La grande Verte.
8 G. Lapassade, La Transe; G. Rouget, La Musique et la transe, Paris, Gallimard, 1990. p.151
9 Em Roger-Gérard Schwartzenberg, Sociologia Política.
10 Atualmente vivem em pequenos grupos e, localidades rurais como Mendocino Countt ou Santa Cruz Mountains, nos Estados Unidos.
11 A história de Afrika Bambaataa foi recontada por G. Lapassade.
12 T. Polhemus, Street Style, p. 106
13 Bernard Lacroix, L’utopie communautaire, A utopia comunitária
14 Bouxyou et Delannoy, p. 169
15 TC Boyle,
16 Sr. Toussaint-Samat, Natural and Moral History of Foods, Paris, Bordas, 1985, p.84.
17 Nouvelles Frontières (Novas fronteiras) é uma das mais importantes empresas francesas na área de turismo.
18 Cf. P. Mignon, art. cit., p. 61 sq
19 Ver, por exemplo, J. Wukovitz, Bill Gates: Software King, F. Watts, 2000.
Referencias em 19/08/2017
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