O mundo hippie seus desdobramentos culturais e políticos
O movimento hippie exerce ainda hoje
um fascínio geral;
O que se passou exatamente?
E o que ficou na memória
contemporânea?
Por que permanece como uma aura, um
souvenir desse encantamento?
Seu legado hoje
Seu legado hoje
O movimento hippie exerce ainda hoje um fascínio geral; o que se passou exatamente e o que ficou na memória contemporânea? Por que permanece como uma aura, um souvenir desse encantamento; O que nos faz sentir essa atração e essa nostalgia, mesmo por aqueles que não conheceram essa época na qual existiu uma espécie de magia coletiva, um paraíso ao alcance da mão…
A perspectiva antropológica do
imaginário (Gilbert Durand) pode permitir a compreensão ou nos aproximar um
pouco mais da perspectiva global dos hippies. Trata-se de um ethos ( conjunto dos costumes e hábitos fundamentais,
no âmbito do comportamento instituições, afazeres etc. e da cultura valores,
ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou
região. ) ou um credo comum que foram
construídos como uma herança condensada de todas as grandes utopias ocidentais
e orientais. Um imaginário equilibrado, ao mesmo tempo heroico e místico,
propriamente sintético nos termos de G.Durand.
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A ótica do imaginário nos permite ilustrar como um imaginário surgiu e depois foi disseminado, desdobrando-se, às vezes se invertendo, ou derivando até os dias de hoje no cotidiano, sob formas desbotadas, por vezes desdobradas, ou mesmo travestidas. O desdobramento ou a disseminação dos esquemas presentes no mundo hippie supõe que as ideias principais, ou imagens matrizes, estão ainda presentes atualmente. No entanto, falta a articulação desses elementos que estão dispersos, disseminados, difratados em diferentes campos, culturais e sociais. Iremos também sublinhar como esses esquemas informam ainda sobre o social no século XXI. O campo de observação é a Europa, a França em particular.
Um movimento cultural fulgurante:
Ao analisar de perto, ao ler as histórias de vida dos atores e de suas aventuras comunitárias, o movimento reivindica raízes longínquas e diversas: o cristianismo primitivo, o fourierismo, o orientalismo…
Outras fontes e referências mais
próximas vão servir de catalisador do século XX, nos anos 60: as drogas do
século XX dão um salto adiante, a revolução sexual de Reich explode realmente,
o imaginário da Beat generation vem martelar seu ritmo
endiabrado. A utopia psicodélica nasce como uma flor sobre o pedestal da
sociedade prometeica 3 dos anos 60. O filme “A primeira noite de um
homem”, The Graduate com Dustin Hoffmann, e seu fundo musical
de Mrs. Robinsonde Crosby, Still, Nash e Neil Young, ilustram bem o
salto epistemológico que se produziu no seio da família americana.
Desde seu nascimento, o imaginário psicodélico é uma utopia em atos, uma filosofia que nasce no movimento de contestaçãopolítica, na efervescência musical, e na liberação florida dos corpos, um flower power como ele próprio se auto-proclama. As comunidades logo terão os porta-vozes, os ídolos e os ícones, e mesmo um papa, Timothy Leary, que instituirá sua doutrina e suas palavras de ordem. A filosofia de movimento é contida na fórmula: Turn in, tune in, drop up .
Desde seu nascimento, o imaginário psicodélico é uma utopia em atos, uma filosofia que nasce no movimento de contestaçãopolítica, na efervescência musical, e na liberação florida dos corpos, um flower power como ele próprio se auto-proclama. As comunidades logo terão os porta-vozes, os ídolos e os ícones, e mesmo um papa, Timothy Leary, que instituirá sua doutrina e suas palavras de ordem. A filosofia de movimento é contida na fórmula: Turn in, tune in, drop up .
Todas as outras experiências
sensíveis do mesmo tipo, viagens chamânicas, transe de criação, transes
poéticos como os de Paul Valéry em “O cemitério marinho”, ou transes de êxtase
dos estados de Nirvana e Buda, parecem induzir a uma diversidade de estados de
consciência. O acesso é permitido pelas práticas ancestrais de ascendência, de
concentração, de meditação, como na yoga pela redução ou suspensão da
respiração, ou ainda graças à escuta de músicas privilegiadas tradicionais,
aqui reinventadas pelas sonoridades da música psicodélica.
Um Ethos
Outro marco daí em diante célebre, Make love, no war, Faça amor, não faça guerra, permite resumir os princípios éticos para o grande público que compreendem mal essa nova forma de contestação. As diferentes regras que daí resultam se instituirão pouco a pouco, a ponto de ficarem como rituais.
Outro marco daí em diante célebre, Make love, no war, Faça amor, não faça guerra, permite resumir os princípios éticos para o grande público que compreendem mal essa nova forma de contestação. As diferentes regras que daí resultam se instituirão pouco a pouco, a ponto de ficarem como rituais.
No war, (Não faça guerra), representa o pólo ou o aspecto
da reivindicação política (parar a guerra do Vietnã)
Make love (Faça
amor), o outro polo da contraproposição, contida e sintetizada na palavra amor,
vasto campo que a filosofia hippie vai desdobrar à sua maneira. De fato, esse
conceito holístico da sua filosofia apresenta-se como um modelo completo de
utopia, já que ele está bem fundado sobre uma simples, só e banal ideia, o
amor. Uma visão holística, adquirida pela impregnação de uma mesma experiência
sensível, multiplicada pelo uso dos psicotrópicos e que está sem dúvida ligada
aos seus contatos com as fontes tradicionais que compartilham essa percepção:
os mesmos esquemas definem suas concepções religiosas (êxtase cósmico e
social), político (paz entre todos os povos, e a doçura da palavra para a
resolução de conflitos), econômico (divisão, desprovimento), estético (beleza
do natural), e ligação social (espírito coletivo e comunitário, ou
neotribalismo)7 .
O credo dos novos membros
comunitários contém desordenadamente: a liberdade sexual, o erotismo, as
relações interpessoais, o esoterismo e a ecologia, … entre outros, mas
trata-se antes de tudo de um ethos rigoroso, um princípio de
partida coerente (liberação pelo amor) declinado sobre diferentes planos,
depois sobre todos os planos, muito logicamente.
Logo, as idéias hippies se organizam,
as ligações se entrelaçam entre as diferentes fontes que inspiram esses novos
modos de vida coletiva e os hippies tentam se aproximar de outras minorias. A
imprensa descreve então, não mais somente um movimento, mas uma cultura, ou uma
subcultura, derivada das culturas mais tradicionais, e que procura alianças com
outras minorias críticas e reivindicativas, na busca de um status social menos
estigmatizado. Assim se multiplicam as subculturas, subtendências dos
subpoderes potenciais (Black Power, Red Power, Ethnic Power) ou
metafóricos (Flower Power, Green Power)9 .
O Enterro
Em 14 de janeiro de 1967, em uma grande reunião no Golden Gate Park, os hippies proclamam que o verão de 1967 seria o lugar sob o signo da paz, do amor e do LSD. Para esse célebre Summer of love (Verão do amor), mais de 500.000 jovens chegaram a São Francisco. Após o uso das drogas, que de certa forma, degeneraram os hippies, o bairro transformou-se em um lugar violento, desertando-o assim do resto da cidade. As drogas alucinógenas foram substituídas pouco a pouco pelos barbitúricos, depois os opiáceos, e logo a decadência e as doenças invadiram a superpopulação do bairro.
Em 14 de janeiro de 1967, em uma grande reunião no Golden Gate Park, os hippies proclamam que o verão de 1967 seria o lugar sob o signo da paz, do amor e do LSD. Para esse célebre Summer of love (Verão do amor), mais de 500.000 jovens chegaram a São Francisco. Após o uso das drogas, que de certa forma, degeneraram os hippies, o bairro transformou-se em um lugar violento, desertando-o assim do resto da cidade. As drogas alucinógenas foram substituídas pouco a pouco pelos barbitúricos, depois os opiáceos, e logo a decadência e as doenças invadiram a superpopulação do bairro.
No outono os membros da comunidade de
Haight sentindo-se, sem dúvidas, ultrapassados pelo movimento da população que
eles provocaram, reuniram-se no Buena Vista Park para celebrar o fim da era
hippie com uma cerimônia fúnebre. Em outubro de 1967, os hippies organizam o
enterro simbólico de seu próprio movimento, enterrando um caixão no Buena Vista
Park. Mas, desde o início dos anos 70, a sensibilidade idealista e ecológica
iniciada pelos hábitos hippies parece surgir e surfar pelas ondas, revivendo
como um eco distante nas gerações seguintes de jovens desesperados.
Derivações e desdobramentos, a
disseminação dos esquemas
O choque com a realidade ficou difícil, após a saída do berço californiano, para um movimento hippie que se refugia nas montanhas e nos campos10. O poder de contágio do sonho psicodélico nascido em São Francisco era grande porque esse contágio ganhou o resto dos Estados Unidos e, depois, a Europa Ocidental.
O choque com a realidade ficou difícil, após a saída do berço californiano, para um movimento hippie que se refugia nas montanhas e nos campos10. O poder de contágio do sonho psicodélico nascido em São Francisco era grande porque esse contágio ganhou o resto dos Estados Unidos e, depois, a Europa Ocidental.
Mas ao deixar o berço californiano, o
sonho perdeu sua força e sua coerência e, com o tempo, ele acabou por se
dispersar. As circunstâncias econômicas também colaboraram – as crises da
sociedade da abundância acabaram com aquilo que haviam gerado. Sem dúvidas os
valores centrais ou motrizes, os “esquemas”, que o constituem, perduram e estão
instalados sustentavelmente na paisagem social ocidental, porém dispersos em
pequenos pedaços e esvaziados de sua transcendência, de seu sentido inicial,
canalizados e racionalizados pela pós-modernidade.
A disseminação geográfica
O imaginário psicodélico e as práticas culturais e sociais que as suscitaram são amplamente ecoadas pelos Estados Unidos da América. Mas, ao encontrar em sua expansão contextos bem diferentes, adquiriu rapidamente direções bem contrastantes. Indo às fontes de percepção, sua penetração entre os jovens das sociedades ocidentais está longe de ter se tornado igual em todos os lugares e constata-se que as suas declinações são inúmeras.
O imaginário psicodélico e as práticas culturais e sociais que as suscitaram são amplamente ecoadas pelos Estados Unidos da América. Mas, ao encontrar em sua expansão contextos bem diferentes, adquiriu rapidamente direções bem contrastantes. Indo às fontes de percepção, sua penetração entre os jovens das sociedades ocidentais está longe de ter se tornado igual em todos os lugares e constata-se que as suas declinações são inúmeras.
É da Inglaterra que vem esta revolução
musical que atua sobre o plano artístico, mas também sobre o plano social. Daí,
a emersão dos Beatles, depois dos Rolling Stones sobre o cenário musical
britânico, o estilo de vida e de cultura.
Nos dois maiores países do
continente, a França e a República Federal Alemã (então Alemanha Ocidental) a
penetração do imaginário psicodélico é ao mesmo tempo colorido politicamente e
também complexo. As culturas da França como da Alemanha não são estrangeiras às
utopias familiares da contestação política violenta, e que se manifestam na
liberação dos costumes com algum atraso em relação a seus vizinhos ingleses,
holandeses e escandinavos.
É pelo viés de uma reivindicação
política e social mais clássica que o movimento de contestação se imporá pelos
eventos de maio de 68 na França e as manifestações dos estudantes berlinenses
na Alemanha, constituindo incontestavelmente o ponto de entrada europeu nos
movimentos de reivindicação dos anos 60. É, por conseguinte, sob uma forma já
muito politizada que ele continuará a se desdobrar. A busca revolucionária
substitui a busca mística, as manifestações políticas tradicionais substituem
os love-ins, smoke-ins e be-ins, a fraternidade militante, a
sonoridade do Peace and Love (Paz e Amor).
A disseminação ideológica e política
O movimento beatnik (hippie) disseminou-se principalmente em duas galáxias opostas; de uma parte os hippies e suas celebrações amorosas, e da outra parte uma nova esquerda americana que milita contra a guerra do Vietnã e a favor do Movimento pelos Direitos Cívicos para uma integração das minorias negras. Um forte exemplo é o Free Speach movement, nascido na Universidade de Berkeley, que milita contra o ensino exageradamente rígido, mas também contra o racismo, o pragmatismo, e a guerra do Vietnã. Como os hippies, esses militantes são contra os princípios fundadores da sociedade da abundância, sobretudo quando eles conduzem a um esbanjamento de barbáries e de alienação.
O movimento beatnik (hippie) disseminou-se principalmente em duas galáxias opostas; de uma parte os hippies e suas celebrações amorosas, e da outra parte uma nova esquerda americana que milita contra a guerra do Vietnã e a favor do Movimento pelos Direitos Cívicos para uma integração das minorias negras. Um forte exemplo é o Free Speach movement, nascido na Universidade de Berkeley, que milita contra o ensino exageradamente rígido, mas também contra o racismo, o pragmatismo, e a guerra do Vietnã. Como os hippies, esses militantes são contra os princípios fundadores da sociedade da abundância, sobretudo quando eles conduzem a um esbanjamento de barbáries e de alienação.
A herança das espiritualidades
contemporâneas
Do sincretismo hippie ao New Age, as religiões e espiritualidades antigas e novas explodem a partir dos anos 70. A ideia de transcendência, com sua abordagem pelos rituais tradicionais e sua experimentação sensível, não abandonaram o novo milênio, pelo contrário. Mas a ideia de sagrado parece se refugiar longe do domínio das toxicomanias e de seus cortejos de problemas corporais, sanitários, econômicos e jurídicos para se desenvolver em direção a um longo e lento movimento de redescoberta das espiritualidades sob todas as suas formas.
Do sincretismo hippie ao New Age, as religiões e espiritualidades antigas e novas explodem a partir dos anos 70. A ideia de transcendência, com sua abordagem pelos rituais tradicionais e sua experimentação sensível, não abandonaram o novo milênio, pelo contrário. Mas a ideia de sagrado parece se refugiar longe do domínio das toxicomanias e de seus cortejos de problemas corporais, sanitários, econômicos e jurídicos para se desenvolver em direção a um longo e lento movimento de redescoberta das espiritualidades sob todas as suas formas.
Na aurora do ano 2000, as autoridades
observam o desenvolvimento das seitas e os pesquisadores, a explosão de uma
“nebulosidade esotérica e mística”, assim como a retomada de antigas religiões,
budismo, islamismo e catolicismo no ocidente, ou das práticas tais quais a
astrologia, a adivinhação, a quiromancia…
Das portas da percepção à
toxicomania
Com os anos 60, os países europeus enfrentaram uma nova forma de toxicomania, a toxicomania de massa ou do povo. Mas ao passo que os usuários das sextees estão centrados sobre os produtos da família dos phantastica, e fundados pela filosofia hippie, até os anos 70, esse consumo de massa ocidental se infiltra nos produtos da família dos hipnóticos, heroína principalmente, mas também álcool e barbitúricos. Palavra chave dessa nova nebulosidade underground: os hipnóticos são mais estupefacientes, mais viciantes, como a heroína. Tudo parece se opor a essas duas formas de uso da droga: as famílias dos produtos utilizados, os imaginários revelando as práticas e filosofias de vida opostas, inversas.
Com os anos 60, os países europeus enfrentaram uma nova forma de toxicomania, a toxicomania de massa ou do povo. Mas ao passo que os usuários das sextees estão centrados sobre os produtos da família dos phantastica, e fundados pela filosofia hippie, até os anos 70, esse consumo de massa ocidental se infiltra nos produtos da família dos hipnóticos, heroína principalmente, mas também álcool e barbitúricos. Palavra chave dessa nova nebulosidade underground: os hipnóticos são mais estupefacientes, mais viciantes, como a heroína. Tudo parece se opor a essas duas formas de uso da droga: as famílias dos produtos utilizados, os imaginários revelando as práticas e filosofias de vida opostas, inversas.
As lógicas das décadas seguintes são
uma lógica de compilação dos produtos. A manutenção dos hipnóticos, retorno com
força das phantastica, adaptação oportunista dos Extancia, em progressão.
Os Golden Eightees, ou os brilhantes anos 80, são reflexos da
economia que floresce, associando socialismo e economia de mercado, e as drogas
de adaptação.
Efeitos sobre a música, as
socialidades contemporâneas
O movimento techno, que começa nos anos 80 e explode nos anos 90, lembra e parece comemorar, sem cessar, as grandes aglomerações festivas e funcionais como o concerto de Woodstock ou aquele da ilha de Wight pelas grandes festas, les technivals. Essas festas gigantescas, as raves, agrupam milhares de pessoas em lugares insólitos das grandes metrópoles (depósitos abandonados, canteiros, prédios inabitáveis), depois vão imigrar para os lugares mais bucólicos onde elas serão mais livres, as free parties. As festas techno também irão se institucionalizar e penetrar em lugares mais reconhecidos como as boates e os estádios e se transformam em technivals, que duram muitos dias.
Os frequentadores de raves são também consumidores da pequena pílula de ecstasy, que se toma a dois, ou em grupo, para se entregar a esse tipo de festa. Como o LSD alucinógeno dos hippies, é uma droga hedonista que multiplica as sensações, e como as anfetaminas, permite a liberação das forças físicas, para ficar toda a noite sem dormir, dançando. Como o LSD, o ecstasy poderia ser uma droga do amor, pois, ela é um multiplicador dos efeitos sexuais e eróticos. No entanto, os participantes de raves não a utilizam nesse sentido. A droga parece mais favorecer uma espécie de fusão com o coletivo, pares ou o público dessas festas. Dançar todos juntos como um só corpo coletivo, esse envolvimento é o nirvana do frequentador da rave.
O movimento techno, que começa nos anos 80 e explode nos anos 90, lembra e parece comemorar, sem cessar, as grandes aglomerações festivas e funcionais como o concerto de Woodstock ou aquele da ilha de Wight pelas grandes festas, les technivals. Essas festas gigantescas, as raves, agrupam milhares de pessoas em lugares insólitos das grandes metrópoles (depósitos abandonados, canteiros, prédios inabitáveis), depois vão imigrar para os lugares mais bucólicos onde elas serão mais livres, as free parties. As festas techno também irão se institucionalizar e penetrar em lugares mais reconhecidos como as boates e os estádios e se transformam em technivals, que duram muitos dias.
Os frequentadores de raves são também consumidores da pequena pílula de ecstasy, que se toma a dois, ou em grupo, para se entregar a esse tipo de festa. Como o LSD alucinógeno dos hippies, é uma droga hedonista que multiplica as sensações, e como as anfetaminas, permite a liberação das forças físicas, para ficar toda a noite sem dormir, dançando. Como o LSD, o ecstasy poderia ser uma droga do amor, pois, ela é um multiplicador dos efeitos sexuais e eróticos. No entanto, os participantes de raves não a utilizam nesse sentido. A droga parece mais favorecer uma espécie de fusão com o coletivo, pares ou o público dessas festas. Dançar todos juntos como um só corpo coletivo, esse envolvimento é o nirvana do frequentador da rave.
O movimento reggae, e o rastafári,
como os hippies, consomem cannabis e usam os cabelos longos
(de preferência não penteados), as famosas tranças ou dread locks,
lembrando assim suas raízes africanas, Mãe África, ou aquelas dos
sadhous indianos, Mãe Índia, e poderiam ser considerados como seus
herdeiros diretos. Tanto o movimento reggae como o movimento hippie desenvolvem
uma abordagem holística de sua reivindicação cultural. Ao mesmo tempo movimento
musical e movimento religioso, o rastafarianismo, tem um forte conteúdo
mitológico, é também um movimento político de contestação e de reivindicação de
uma cultura própria. Eles adotam um modo de vida fundamentada sobre a paz e a
tolerância, a dignidade pessoal e a redescoberta das harmonias naturais e
cósmicas esquecidas pelo mundo moderno. There is a natural mystic
flowing to the air/ Há qualquer coisa de naturalmente místico no ar, canta
Bob Marley que divulga o movimento e suas dimensões místicas, através do reggae
jamaicano, suas cores, vermelho /ouro / verde, seus valores, o sonho bíblico
de Zion, (Iron, Lion, Zion), e o Deus Jah de um povo negro
vindo da Etiópia, os ancestrais longínquos dos rastas.
O movimento hip hop, lembra também a
utopia hippie, porém de maneira mais remota ainda, já que a música rap e o
mundo dos rappers poderiam desenvolver uma crítica radical de modernidade e uma
vontade de viver aqui e agora, senão na harmonia, mas ao menos na dignidade e
na honra de uma cultura reinventada. Ponto comum, contudo, o cannabis,
é um meio de se desprender e de romper com a vida mediana proposta pelas
sociedades ocidentais e, no caso francês, com o deserto da vida, dos conjuntos
residenciais, para fundar uma cultura própria. Um mesmo velho sonho coletivo de
um paraíso perdido, a Zoulou nation11 ,
os sound systems, os crews, os possies,
designam os bandos, clãs ou famílias aumentadas, que vão, logo, se transformar
no ponto focal do estilo de vida de rua no sul do Bronx12 ,
e também nas periferias de todas as grandes capitais ocidentais, dos jovens
encapuzados e dos tênis Nike.
Efeitos sobre a socialidade, “o
espírito em grupo”
Viver em comunidade é então um ato político para os hippies, é sempre um ato de revolta ou de reivindicação de uma vida alternativa, é um ajuntamento de indivíduos decididos a viver em comum uma vida diferente daquela que lhes foi proposta pela sociedade da qual eles saíram13 . Essas são as motivações de todos os jovens que vão deixar suas famílias, escolas, empregos, para fundar uma comunidade. Os grupos se reencontram, simpatizam-se, fundem-se e decidem viver juntos, criando seus novos princípios e costumes de vida.
Viver em comunidade é então um ato político para os hippies, é sempre um ato de revolta ou de reivindicação de uma vida alternativa, é um ajuntamento de indivíduos decididos a viver em comum uma vida diferente daquela que lhes foi proposta pela sociedade da qual eles saíram13 . Essas são as motivações de todos os jovens que vão deixar suas famílias, escolas, empregos, para fundar uma comunidade. Os grupos se reencontram, simpatizam-se, fundem-se e decidem viver juntos, criando seus novos princípios e costumes de vida.
Adotando e reivindicando um modo de
vida comunitário, esses coletivos vão reencontrar antigas fontes desses modos
de organização, e mesmo desenvolver alianças com a imprensa, o mundo
intelectual e político, para defender e argumentar suas posições. Desses exemplos,
alguns testemunhos reais e romanescos de aventuras em comunidades, de suas
regras de vida inventada e de sua trágica história coletiva, estão hoje
descritas em nossa literatura14 .
É então possível constatar a
existência e a diversidade de ritos: festas, assembleias gerais, reuniões em
torno da mesa comum,…15 , rituais recompostos pela necessidade da
vida em comum, e bordados sobre os modelos de organização de coletivos já
existentes.
As consequências sobre as
representações da sociedade permitem abrir e assistir a retomada dos coletivos
em todos os domínios: renascimento da vida associativa, da solidariedade
grupal, talvez tribal; na pedagogia, as escolas paralelas, “as crianças livres
do Summer Hill”, escolas Montessori, escolas occitânicas; na psiquiatria,
as comunidades terapêuticas da antipsiquiatria (Deleuse, Cooper e Laing); na
arte, os ateliês de criação coletiva, as experiências da arte-terapia de
Jean-Pierre Klein; na economia, as cooperativas de consumidores, as compras em
grupo; no casal, o desejo para uma vida mais comunitária (famílias plurais
repensadas em torno das crianças).
Efeitos sobre a sexualidade: herança
complexa da revolução sexual
O mesmo acontece para todos levantes sociais, éticos e estéticos esboçados pelo movimento psicodélico. A liberdade sexual aparece como uma das aquisições majoritárias desse período, e a libertação se estende a outras formas de sexualidade mais específicas. São Francisco se transforma nos anos 70 na cidade dos gays. Mas nas últimas décadas não reteve o lado profano do “amor universal” coroados pelos hippies. A idéia que a energia sexual bem canalizada, como o quer o modelo tântrico, permite se direcionar à “unidade cósmica”, ou somente uma maior circulação do desejo conduzido a uma nova sociedade esquecida. O desejo sexual não visa mais apenas à satisfação, ajusta-se mais ou menos ao sucesso das estruturas sociais que impediram a sua expressão.
O mesmo acontece para todos levantes sociais, éticos e estéticos esboçados pelo movimento psicodélico. A liberdade sexual aparece como uma das aquisições majoritárias desse período, e a libertação se estende a outras formas de sexualidade mais específicas. São Francisco se transforma nos anos 70 na cidade dos gays. Mas nas últimas décadas não reteve o lado profano do “amor universal” coroados pelos hippies. A idéia que a energia sexual bem canalizada, como o quer o modelo tântrico, permite se direcionar à “unidade cósmica”, ou somente uma maior circulação do desejo conduzido a uma nova sociedade esquecida. O desejo sexual não visa mais apenas à satisfação, ajusta-se mais ou menos ao sucesso das estruturas sociais que impediram a sua expressão.
Esse retrocesso e essa racionalização
do imaginário permitem compreender esse “retorno do reprimido” contemporâneo, a
coexistência dos arcaísmos culturais e moralismos sociais, com as expressões
mais liberadas da sexualidade, e todas as suas recuperações plurais na esfera
do mercado, que são particularmente manifestos na complexidade contemporânea.
Paradoxalmente após essa liberação dos corpos e dos costumes, os efeitos
parecem invertidos e provocam um retorno de diferentes regras morais e do
declínio, ou um confinamento sobre si mesmo, dos indivíduos e dos modelos. Para
os homens, poderíamos qualificar de “cúspide” do masculino, esse movimento de
recuo do modelo “machista” e paternalista do patriarcado. De fato, nos últimos
trinta anos voltamos periodicamente à afirmação de que “não há mais homens”. A
identidade masculina apresenta, além disso, uma diferença em relação à ideia da
virilidade, ou em relação a um comportamento médio dos homens, durante a época
imediatamente anterior.
Para as mulheres, que possuem agora
importante capital cultural e social, apresentam-se todas as razões de estarem
amedrontadas por essa terrível concorrência que se instaura, sobre o mercado
matrimonial e amoroso, entre elas mesmas e para seus equivalentes masculinos.
Mais que o entusiasmo, é a desconfiança que se instala do lado feminino como do
masculino. Essa inadequação das representações femininas e masculinas, e do
casal no estado real da sociedade, gera inúmeras desconfianças particulares, um
paradoxo generalizado, já que essa desconfiança resulta também no plano geral
de uma inadequação devido à demografia social, assim como a repartição desigual
do capital social e cultural. Contrariamente às gerações dos anos 60-80 e
pós-60-80, aWoodstock Generation, que conquistaram a abertura dos direitos
jurídicos, as novas gerações encaram barreiras invisíveis do tipo cultural.
Efeitos sobre a nova sensibilidade
ecológica
As preocupações ecológicas dos hippies invadem hoje o universo de nossos pensamentos e programas políticos. A ecologia se transformou em um dos importantes termos irreversíveis da dialética de dominação da natureza: nossa vontade de dominar a natureza se inverteu em preocupação pela sua proteção.
As preocupações ecológicas dos hippies invadem hoje o universo de nossos pensamentos e programas políticos. A ecologia se transformou em um dos importantes termos irreversíveis da dialética de dominação da natureza: nossa vontade de dominar a natureza se inverteu em preocupação pela sua proteção.
Com a mesma ideia de uma “Idade de
ouro” na qual os homens e os deuses comunicavam-se livremente, e na qual os
alimentos estavam imediatamente disponíveis, falava-se de uma idade
vegetariana. A idade de ouro vegetariana que se lê no simbólico do mel, na
nostalgia desse tempo sagrado que se ocupa dos mitos relativos à deusa Deméter e
nos rituais de cozinha, “Em todos os mitos da Idade de ouro perdida, o
vegetarianismo comporta uma conotação de pureza e bondade”16 .
Isso é particularmente evidente na Índia ou no Extremo Oriente, no bramanismo
ou no budismo onde a carne é considerada como um impedimento à ascensão
espiritual; mesmo no mundo ocidental, nos dogmas da igreja cristã com a
quaresma, período de purificação, retorno a inocência onde a interdição de
alimento “carne” corresponde também à interdição às relações sexuais; da mesma
maneira em inúmeras especulações filosóficas, celebra-se o estado de natureza,
uma alimentação amplamente vegetariana, como nas obras de Rousseau, por
exemplo.
Efeitos econômicos
Da viagem de iniciação às viagens banalizadas, a moda contemporânea dos deslocamentos nasce a partir das viagens iniciadas pelo movimento hippie. Viagem de carona, ou viagens em grandes companhias a custos reduzidos. Os enumerados destinos são reinventados pela viagem hippie: de Katmandou e Marraquexe, aos ciganos rurais, as grandes estradas, as ecos-comunidades na vida nas árvores, ou simplesmente passar suas férias no campo. Sem fronteiras para os hippies, como o nome da companhia que fará fortuna17 … Sem diferenças de raças contra o predomínio ocidental, essa é a bandeira do hippie nas viagens em que ele gosta de
viver como os nativos.
Da viagem de iniciação às viagens banalizadas, a moda contemporânea dos deslocamentos nasce a partir das viagens iniciadas pelo movimento hippie. Viagem de carona, ou viagens em grandes companhias a custos reduzidos. Os enumerados destinos são reinventados pela viagem hippie: de Katmandou e Marraquexe, aos ciganos rurais, as grandes estradas, as ecos-comunidades na vida nas árvores, ou simplesmente passar suas férias no campo. Sem fronteiras para os hippies, como o nome da companhia que fará fortuna17 … Sem diferenças de raças contra o predomínio ocidental, essa é a bandeira do hippie nas viagens em que ele gosta de
viver como os nativos.
Do libertarismo ao liberalismo. O
trabalho intermitente dos hippies parece ter se transformado no modelo de
trabalho atual (flexibilidade, tempo parcial). As co-locações, novas maneiras
de morar comunitário, lembram também um eco longínquo do modo de vida dos
hippies. O pensamente em rede, o desejo de comunicar e a invenção da
informática. Timothy Leary explica que essa revolução da informática não teria
tido lugar se a experiência com o LSD não tivesse ajudado a descobrir seus
principais atores, a interconexão de todos os elementos do cosmos, assim como
uma autêntica comunicação com o outro18 . Os itinerários do Bill Gates ou de Steve
Jobs, de certa maneira membros da revolução psicodélica, poderiam ter algum crédito
nessa ideia19 .
* Autora Martine Xiberras é
doutora em Antropologia Social e Cultural e encontra-se atualmente ligada à
Universidade Paul-Valéry-Montpellier-III. Preocupada com os flagelos sociais
contemporâneos, é um dos autores atuais mais importantes neste domínio.
** Tradução Ricardo Ferreira
Freitas é professor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro). É doutor em Sociologia pela
Sorbonne, mestre em Comunicação pela UFRJ e graduado em Relações públicas pela
Uerj.
NOTAS
1 Com colaboração da revisora técnica
Tais Alexandre Baptista.
2Fourierismo : seguidores do pensador
Fourier.
3 Prometeica : oriundo de Prometeu.
4 Assistir ao filme “Théorême ,
Teorema” de Pasolini “salto epistemológico” da família italiana.
5 Turn in: ligar,conectar ; Tune in:
expandir sua consciência; Drop up: deixar pra lá.
6 G. Lapassade, La Transe; G. Rouget,
La Musique et la transe, Paris, Gallimard, 1990.
7 O filme La grande Verte.
8 G. Lapassade, La Transe; G. Rouget,
La Musique et la transe, Paris, Gallimard, 1990. p.151
9 Em Roger-Gérard Schwartzenberg,
Sociologia Política.
10 Atualmente vivem em pequenos
grupos e, localidades rurais como Mendocino Countt ou Santa Cruz Mountains, nos
Estados Unidos.
11 A história de Afrika Bambaataa foi
recontada por G. Lapassade.
12 T.
Polhemus, Street Style, p. 106
13 Bernard Lacroix, L’utopie
communautaire, A utopia comunitária
14 Bouxyou et
Delannoy, p. 169
15 TC Boyle,
16 Sr.
Toussaint-Samat, Natural and Moral History of Foods, Paris, Bordas, 1985, p.84.
17 Nouvelles Frontières (Novas
fronteiras) é uma das mais importantes empresas francesas na área de turismo.
18 Cf. P.
Mignon, art. cit., p. 61 sq
19 Ver, por
exemplo, J. Wukovitz, Bill Gates: Software King, F. Watts, 2000.
Referencias
em 19/08/2017
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